Neste artigo, exploraremos os principais exames utilizados para avaliar a função da tireoide e a sua importância em situações de doença.
Noções de fisiologia
Para uma compreensão adequada dos exames da tireoide, é necessário revisarmos rapidamente a fisiologia normal.
O funcionamento tireoidiano depende do hormônio hipofisário estimulante da tireoide (ou, em inglês thyroid secreting hormone - TSH), que age nessa glândula estimulando a produção e a secreção de hormônios periféricos.
Por sua vez, a secreção de TSH a partir da hipófise é regulada pelo nível sérico dos hormônios tireoidianos em uma alça de retroalimentação (feedback) negativa.
Isso quer dizer que, quanto maior o nível no sangue de hormônios tireoidianos, menor será a secreção de TSH. Outros estímulos, como opioides, corticoide, vasopressina e citocinas inflamatórias também interferem neste eixo.
Os hormônios periféricos são liberados da tireoide principalmente na forma de tiroxina (T4), mas é a triiodotironina (T3) que faz o efeito biológico. Uma parte do T3 é secretada da glândula, mas a maior parte dele provém da conversão nos tecidos periféricos de T4 em T3.
Ambos hormônios são transportados para os tecidos periféricos majoritariamente ligados a proteínas (albumina e globulina ligadora de tiroxina), mas é a sua forma livre que sairá da circulação e entrará nas células para fazer o efeito biológico do hormônio.
Os hormônios tireoidianos têm efeitos em todos os tecidos do corpo, com papel desde o período fetal (na embriogênese e neurogênese) até a velhice. De forma simplificada, eles garantem a termogênese do organismo e o metabolismo intermediário e são facilitadores do efeitos das catecolaminas.
⚪ Leia também: Hipotireoidismo: diagnóstico e manejo na gestação
Com base nessas informações conseguimos compreender o gráfico apresentado na Figura 1.
Nele, observamos a relação inversa entre T4 e TSH e que, para pequenas alterações na tiroxina, temos grandes alterações no TSH. Essas duas propriedades, associadas ao fato de que a dosagem de TSH é mais precisa que a dos hormônios periféricos, explicam por que o TSH é o primeiro exame a ser solicitado para avaliar o funcionamento tireoidiano.
Figura 1. Relação entre TSH e T4 livre em indivíduos saudáveis, com hipo e hipertireoidismo. Adaptado de (1).

Além desses pontos, devemos lembrar que:
- o uso de biotina (vitamina B7) é comum, usualmente em compostos multivitamínicos, e ela interfere nos exames tireoidiano, levando a resultados falsamente elevados (T4, T3) ou falsamente reduzidos (TSH). Recomenda-se suspensão do uso dois dias antes da coleta;
- outros medicamentos e substâncias também interferem diretamente na função ou dosagem dos hormônios tireoidianos; os principais estão listados na Tabela 1. Observar que alguns medicamentos (principalmente compostos iodados) podem ter diversos efeitos na glândula - o resultado final vai depender da dose, tempo de uso e fatores individuais;
- na gestação ocorrem alterações na função tireoidiana que impactam na interpretação dos resultados dos exames.
Tabela 1. Principais medicamentos interferentes na função tireoidiana. Adaptado de (4).
Medicamentos que causam hipotireoidismo ou interferem na absorção da tiroxina | litio, tionamidas (metimazol, propiltiuracil, amiodarona, contrastes iodados, produtos com iodo (inclusive tópicos) colestiramina, carbonato de cálcio, sulfato ferroso, omeprazol, imunobiológicos. |
Medicamentos que causam hipertireoidismo | Produtos iodados (incluindo os listados acima), imunobiológicos. |
Medicamentos que alteram exames da tireóide, sem impactar de fato na função | Andrógenos, corticoesteróides, estrógeno, tamoxifeno, furosemida, antiinflamatórios não-esteroidais, niacina, dobutamina, beta-bloqueadores, anticonvulsivantes, antiretrovirais |
Os exames tireoidianos
Tireotrofina - TSH
Pelos motivos discutidos anteriormente, a dosagem de TSH é o principal exame para avaliação da função tireoidiana. Ou seja, o teste indica o nível do hormônio que estimula a glândula tireoide a produzir e secretar os hormônios periféricos e é o primeiro exame a ser solicitado na suspeita de doença tireoidiana.
Pela sua relação inversa com os hormônios periféricos, tende a estar aumentado no hipotireoidismo primário (seja franco ou subclínico) e reduzido no hipertireoidismo.
Trata-se de um exame com técnica laboratorial já bem sedimentada, com limite de detecção inferior variando de 0,05 a 0,01 mU/L - o que é bastante útil para o diagnóstico de hipertireoidismo. Assim como qualquer exame laboratorial, deve ter seu intervalo normal definido na população em que será utilizado; entretanto, na falta destes, estudos em grandes populações sugerem que valores entre 0,5 e 4,5 mU/L são normais na maioria das pessoas. Há uma tendência de aumento progressivo do limite superior do normal com a idade, chegando a próximo de 8 mU/L por volta dos 80 anos.
⚪ Leia também: Distúrbios da tireoide: causas, sintomas e diagnóstico
Hormônios periféricos - T3 e T4
São os hormônios que efetivamente fazem o efeito biológico da tireoide. Em função das suas baixas concentrações no sangue e pequeno tamanho molecular, são mais sujeitos a interferentes.
A dosagem de T4 e T3 total medem a quantidade global de hormônios na amostra de sangue, estejam ligados ou não a proteínas carregadoras; já as dosagens de T4 livre e T3 livre avaliam apenas a forma biologicamente disponível (livre para captação dos tecidos). Quando disponível, tende-se a preferir a dosagem do T4 livre por ter menos influência das variações das proteínas carregadoras. Não se costuma utilizar a dosagem de T3 livre por ser menos precisa.
Apesar disso, a maioria dos laboratórios utilizam técnicas indiretas para essa avaliação, que ainda mantém algum grau de interferência. Isso faz com que, na gestação, prefira-se a avaliação do T4 total com ajustes nos valores de referência.
Figura 2. Interpretação dos exames de tireoide alterados para adultos não gestantes. Adaptado de (4).

HH: hipotálamo-hipofisária; TSH: tireotrofina; T3: triiodotironina; T4L: tiroxina livre.
Ao contrário do TSH, sua relação é direta com a função da glândula (reduzidos no hipotireoidismo e aumentados no hipertireoidismo). Ainda assim, como há mais interferentes e são menos sensíveis a alterações (vide revisão de fisiologia), devem ser interpretados em conjunto com o valor de TSH (Figura 2).
Autoanticorpos
Autoanticorpos não medem a função tireoidiana e não auxiliam no diagnóstico de estados de hipo ou hipertireoidismo. Apesar disso, são frequentemente solicitados em conjunto com os exames hormonais e podem contribuir em algumas situações. Os três exames mais comumente utilizados são:
- anticorpo anti-tireoperoxidase (anti-TPO): frequente nos pacientes com doença de Hashimoto (principal causa de hipotireoidismo em adultos). Não auxilia na investigação diagnóstica do hipotireoidismo franco, mas em pacientes com hipotireoidismo subclínico, pode apoiar a decisão de tratamento;
- anticorpo antirreceptor de TSH (TRAb - thryrotropin receptor antibody): podem haver tanto anticorpos bloqueadores quanto estimulantes do receptor. Nos laboratórios, costuma-se dosar apenas os estimulantes. Apesar de não serem necessários para o diagnóstico, têm alta sensibilidade e especificidade para doença de Graves e podem auxiliar no diagnóstico de casos em que a etiologia do hipertireoidismo não está determinada. Também têm papel no manejo de gestantes que têm ou tiveram doença de Graves;
- anticorpo antitireoglobulina: podem estar presentes tanto na doença de Graves quanto na de Hashimoto. Apesar disso, sua principal importância é no seguimento de pacientes com câncer de tireoide, por interferir na dosagem da tireoglobulina - um marcador de recorrência da neoplasia.
⚪ Leia também: Hipotireoidismo: diagnóstico e manejo
Reunindo as informações: exames de tireoide
O TSH é o exame mais sensível e específico para avaliação da função tireoidiana. Além disso, deve-se destacar que doenças centrais (da hipófise e hipotálamo) são muito menos frequentes do que aquelas que acometem a periferia (glândula tireoidiana).
Deve-se estar atento à história de trauma, a cirurgias no sistema nervoso central e alterações em outros eixos hormoniais para se suspeitar de doença hipofisária.
Uma nota sobre ultrassonografia
O ultrassom de tireoide não mede a função tireoidiana, mas sim avalia alterações morfológicas. Sua utilidade, portanto, é avaliar suspeitas de nódulos, bócio ou alterações em estruturas próximas à tireóide que tenham sido identificadas no exame físico ou na entrevista clínica.
Referências
Shlomo Melmed, Kenneth S. Polonsky, P. Reed Larsen, Henry M. Kronenberg. Williams Textbook of Endocrinology, 13th Edition. Elsevier.
Sandra Pinho Silveiro e Fabíola Satler. Rotinas em Endocrinologia. Artmed.
American Thyroid Association. 2017 Guidelines of the American Thyroid Association for the Diagnosis and Management of Thyroid Disease During Pregnancy and the Postpartum. Thyroid 2017 (27): 315.
Laboratory assessment of thyroid function. De Uptodate. Acesso em 06/07/2023, disponível em <https://www.uptodate.com/contents/laboratory-assessment-of-thyroid-function>