Como citar este artigo: Rodrigues, W. S. & Neufeld, C. B. (2022, 26 set). Manejo do comportamento suicida: o que todo profissional da saúde precisa saber. Blog do Secad. Link
O comportamento suicida é um fenômeno global e que chama a atenção dos pesquisadores, profissionais da saúde, organizações e até mesmo da população geral.
Por se tratar de um fenômeno bastante complexo e multifatorial, resultante da interação entre aspectos biológicos, psicológicos, culturais e socioambientais, existe uma extensa literatura que aborda tal fenômeno por diferentes perspectivas.
Neste artigo, vamos sintetizar as principais informações que todos os profissionais da saúde precisam saber sobre o assunto.
Entendendo o comportando suicida
O comportamento suicida é comumente organizado pelos pesquisadores da área a partir de quatro elementos:
- a) ideação suicida (envolve pensamentos e imagens relacionados à intenção de morrer);
- b) planejamento suicida (refere-se a um plano, projeto ou roteiro, com potencial real ou acreditado de causar a morte);
- c) tentativa de suicídio (é instigado ou iniciado pela própria pessoa, mas não necessariamente autoinfligido)
- e d) suicídio consumado.
A partir dessa organização, ressalta-se que apenas uma pequena parcela das pessoas que apresentam a ideação suicida também possuem um planejamento, e uma parte ainda menor possui tentativas de suicídio.
Isso significa que os profissionais da saúde devem avaliar cada um desses componentes para cada paciente.
Vale ressaltar que o comportamento suicida exclui outros aspectos em que não há a deliberada intencionalidade de morte, como ideações vagas de morte, comportamentos de risco ou autolesão não-suicida. (Burr et al., 2017; Nock, 2014; Wenzel et al., 2010).
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Variáveis cognitivas associadas ao comportamento suicida
Nos últimos anos, os pesquisadores e profissionais da área têm se voltado para a investigação de variáveis cognitivas que estão associadas ao comportamento suicida, que podem ser o foco das propostas de avaliação, intervenção e prevenção (Nock, 2014).
A literatura em suicidologia indica uma série de variáveis cognitivas que são centrais para a compreensão do comportamento suicida, são elas:
- Desesperança: expectativa negativa ou falta de expectativas com relação ao futuro. É um dos principais aspectos relacionados ao comportamento suicida e pode explicar as associações entre os fatores de risco e a ideação suicida (Nock, 2014; Wenzel et al., 2010);
- Perfeccionismo: refere-se ao estabelecimento de padrões elevados de desempenho, que são acompanhados por uma autocrítica elevada e uma preocupação constante em evitar falhas e erros. A dimensão de perfeccionismo socialmente prescrito, advinda do modelo proposto por Hewitt e Flett (1991), é a que apresenta maior relação com a ideação suicida e fala sobre a percepção de que as outras pessoas esperam um desempenho perfeito e estabelecem padrões de desempenho elevados voltados para o eu (Soares, et al., 2018);
- Sentir-se como um peso/estorvo: refere-se à crença de que a incompetência pessoal afeta negativamente as outras pessoas. Trata-se de uma variável cognitiva, pois não é uma medida objetiva do quanto as outras pessoas se sentem afetadas (Nock, 2014);
- Baixo pertencimento: percepção individual de não ser um membro importante de um grupo. O isolamento social é comum em pessoas que relatam ideação suicida bem como naqueles que morrem por suicídio (Nock, 2014; Wenzel, 2021);
- Perceber situações como insuportáveis: tendência em reagir negativamente, a nível emocional, cognitivo e comportamental, às situações aversivas, além de dificuldade de encontrar estratégias adequadas para lidar com as situações. O comportamento suicida é visto como uma fuga de tal dor (Nock, 2014);
- Déficits de resolução de problemas: falha pessoal em gerar soluções alternativas para os problemas da vida. Assim, o comportamento suicida aparece como uma solução viável (Nock, 2014; Wenzel, 2021);
- Estilo de memória generalizada: os indivíduos com ideação suicida são mais propensos a recuperar memórias mais genéricas e demoram mais para recuperar memórias específicas. Isso pode gerar dificuldade na resolução de problemas e em imaginar eventos futuros, colaborando para a desesperança (Nock, 2014);
- Pensamento dicotômico: tendência em fazer julgamentos extremos e polarizados (popularmente conhecido como uma atitude “8 ou 80”), com pouca consideração dada às informações ou evidências que podem levar a uma avaliação mais equilibrada. O pensamento dicotômico tem o potencial de limitar os indivíduos com ideação suicida a identificar e avaliar de forma precisa as soluções múltiplas para os problemas de vida (Nock, 2014; Wenzel, 2021);
- Pensamento futuro: os indivíduos com ideação suicida demonstram prejuízo na geração de expectativas positivas para o futuro. Além disso, quando geram expectativas positivas (como metas), essas tendem a ser acompanhadas de uma série de razões pelas quais não serão alcançadas (Nock, 2014);
- Alocação de atenção: tendência a direcionar a atenção para aspectos negativos do ambiente, que confirmam as crenças desadaptativas (Nock, 2014; Wenzel, 2021).
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Avaliação e classificação do risco do comportamento suicida
Compreendido alguns dos principais aspectos do comportamento suicida e a despeito das variáveis cognitivas associadas, falaremos sobre o processo de avaliação, que visa observar o risco do comportamento suicida, a fim de instruir adequada conduta terapêutica.
Para isso, a melhor abordagem de avaliação é utilizar uma combinação de diferentes técnicas, como entrevistas (estruturadas, semiestruturadas ou não-estruturadas), escalas de auto ou heterorrelato, observação, testes situacionais, anamneses, entre outros.
Para além das variáveis cognitivas, deve-se observar: expectativas com relação ao tratamento; caso tenha havido uma tentativa anterior, avaliar as reações do paciente (por exemplo, se está feliz ou triste por ter sobrevivido); presença de fatores de vulnerabilidade, risco e proteção; estratégias existentes para lidar com os pensamentos suicidas; planejamento e acesso a métodos; apoio e vínculos sociais. (Wenzel, 2021; Wenzel et al., 2010).
Feita a avaliação, podemos, de uma forma geral, classificar o risco do comportamento suicida considerando:
- baixo risco quando não há planejamento ou acesso a métodos, bom vínculo social, baixa intenção de morrer, baixa desesperança e estresse ambiental;
- e alto risco quando há planejamento e acesso a métodos, alta intenção de morrer, baixo vínculo social, alta desesperança e estresse ambiental. (Franzin et al., 2017).
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Manejo do comportamento suicida
A respeito do manejo, é recomendado o trabalho com uma equipe multidisciplinar, pois os pacientes podem se beneficiar de um trabalho em rede desenvolvido por um time composto por diversos especialistas.
Ademais, as intervenções em Terapia Cognitivo-Comportamental são ferramentas poderosas para o manejo dos casos.
Dentre elas, destacam-se a psicoeducação, o plano de segurança, estratégias de resolução de problemas, desenvolvimento de habilidades interpessoais, estratégias tranquilizantes e cartões de enfrentamento. (Rodrigues & Neufeld, 2021)
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Editoria de Psicologia
Editora-chefe: Carmem Beatriz Neufeld.
Psicóloga. Livre docente em TCC pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora e Mestra em Psicologia pela PUCRS. Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Federação Latino Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO (2019-2022). Presidente-fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023). Bolsista Produtividade do CNPq.