23 de Agosto de 2023 | 12 min de leitura

Câncer urogenital masculino além da próstata: rins, bexiga, pênis e testículo

O câncer de próstata é uma das neoplasias mais frequentes e responsável por mais de 1,2 milhão de mortes ao ano no mundo. Com isso, tende a dominar campanhas para a saúde masculina. 

No entanto, outras neoplasias do trato urogenital têm marcado impacto na saúde do homem e da população em geral [1]. Por exemplo, a incidência de câncer de rins e de bexiga aumentou em 154% e 123%, respectivamente, nos últimos 30 anos. Em 2017, apenas os novos casos de neoplasia de rins e bexiga contavam juntos quase 1 milhão de pessoas afetadas [2]

Outros tipos de neoplasia urogenital, como os que atingem pênis e testículos, também são potenciais contribuintes para morbidade e mortalidade [3,4]. Câncer testicular é raro na população em geral, mas é a neoplasia sólida mais comum em homens na faixa de 20-40 anos. 

Não é raro que neoplasias urogenitais (além da próstata) sejam esquecidas frente a outras doenças mais comuns [3,4]. Além disso, existe importante disparidade no cuidado oferecido – informação ao público e aos profissionais, protocolos diagnósticos e linhas de cuidado, bem como iniciativas de pesquisa. 

Neste texto, vamos revisar as principais características de malignidades dos rins, bexiga, pênis e testículos. Serão explorados fatores predisponentes (a fim de reconhecer os grupos em risco), métodos diagnósticos e prognóstico.

Rins

Seguindo o aumento do total de casos, também houve aumento da mortalidade e do número de anos perdidos por incapacidade relacionados ao câncer de rim [2,5]. Trata-se de uma neoplasia que acomete dois homens para cada mulher e a maior parte dos diagnósticos se dá na faixa de 50-70 anos [5]

A maioria dos tumores é esporádica e tem, entre os fatores de risco comuns, tabagismo, hipertensão e obesidade. Algumas situações mais raras, como doença cística associada a insuficiência renal terminal, esclerose tuberosa e síndrome de von Hippel-Lindau também são fatores predisponentes [5].

O carcinoma de células renais é o tipo histológico mais comum (90-95% dos casos) e nele se destaca o carcinoma renal de células claras. O tratamento envolve nefrectomia (parcial ou radical), radioterapia e quimioterapia. 

Além dos agentes citotóxicos usuais, terapias com alvos moleculares antiangiogênicos e inibidores da tirosina quinase fazem parte do arsenal de tratamento e são avanços importantes na terapia desta doença [5].

Quando suspeitar?

O tumor renal é tradicionalmente conhecido como o "tumor do internista" devido à variedade de síndromes paraneoplásicas com que pode estar associado. Anemia, perda ponderal e hipertensão são os achados mais comuns. Eritrocitose, hipercalcemia e febre de origem obscura são manifestações menos comuns, mas potencialmente causadas por essa neoplasia [6]

Sintomas locais são achados tardios. A tríade clássica de hematúria, dor abdominal ou em flanco e massa palpável deve levantar a suspeita de câncer renal [5]

Uma manifestação clássica (e incomum) é a presença de varicocele à esquerda, em função de invasão e trombose da veia renal esquerda e consequente acometimento da veia gonadal ipsilateral. 

Além disso, até 25% dos pacientes têm manifestações de metástases à distância ao diagnóstico, sem manifestações renais.

Para além dos sintomas acima (que devem gerar investigação), a maior parte dos pacientes é diagnosticada a partir de exames realizados por outras indicações (achados incidentais) [6]. Dessa forma, parte do aumento do número de diagnósticos está relacionada à maior disponibilidade de exames de imagem [5]

Assim, houve aumento do número de lesões renais assintomáticas ao diagnóstico: o que, por um lado, favorece o diagnóstico precoce e tratamentos com maior chance de cura, mas, por outro, aumenta a chance de sobretratamento e sobrediagnóstico. 

Independente da indicação do exame de imagem, ao se identificar uma lesão renal sólida, deve-se considerar a mesma suspeita para malignidade [5].

Como fazer o diagnóstico?

Conforme discutido, o principal recurso de diagnóstico são exames de imagem, como a ecografia (usualmente levanta a suspeita) e tomografia ou ressonância de abdômen (confirmam a presença de lesão sólida). 

Biópsia não costuma fazer parte da abordagem diagnóstica, uma vez que há risco de disseminação da neoplasia no trajeto e opta-se por abordagem cirúrgica com vistas à ressecção de forma direta [6]

A biópsia deve ser considerada em pacientes com doença metastática, em que não há plano de tratamento cirúrgico, e para pacientes com lesões muito pequenas, quando se irá optar por seguimento ou outras abordagem terapêuticas (radioablação, por exemplo).

Além da abordagem para diagnóstico, deve-se realizar hemograma, avaliação bioquímica e exame comum de urina. 

A avaliação pré-tratamento inclui estender a tomografia para todo o abdome e pelve, bem como realizar radiografia de tórax [5]

Cintilografia e imagem do sistema nervoso central são reservadas para pacientes com suspeita de metástases para esses sítios, com base em achados clínicos [6]

Por fim, estratégias de rastreamento populacional não são recomendadas.

Prognóstico

Pacientes com tumores que não rompem a cápsula renal têm ótima sobrevida, chegando a 90% em 5 anos. Pacientes com neoplasias em estágios mais avançados têm sobrevida mais variável [5]

Ausência de acometimento linfonodal, mesmo com tumor localmente avançado, confere uma sobrevida de 60% em 5 anos. 

Por outro lado, pacientes com acometimento linfonodal ou com ruptura de cápsula e metástase única têm até 30% de sobrevida. Demais pacientes têm sobrevida menor que 5% em 5 anos.

Bexiga

O câncer de bexiga é uma neoplasia comum: quando se avalia a frequência, ocupa a quinta posição nos Estados Unidos e o sétimo lugar entre homens no Brasil (sem considerar câncer de pele não-melanoma) [5,7]

Estima-se que haja cerca de sete novos casos a cada 100 mil homens/ano, no Brasil, com maior frequência nas regiões Sul e Sudeste [7]

A doença é cerca de quatro vezes mais comum em homens do que em mulheres, e o grupo populacional de maior risco é composto por homens brancos idosos [5,7].

O tabaco é considerado o principal fator de risco. Nove em cada dez pacientes com a doença fumam ou fumaram. Além disso, estima-se que 30% dos casos poderiam ser evitados com a cessação do tabagismo [5]

Outras exposições ambientais também aumentam o risco. Aminas aromáticas e arsênico têm papel na gênese. Trabalhadores de indústria têxtil/curtumes, refinarias de petróleo e comércio de combustíveis, manufatura de eletrônicos e pintura têm risco aumentado [7].

Quanto a fatores genéticos, destaca-se a síndrome de Cowden (hamartomas múltiplos) como predisponente.

Quando suspeitar?

A principal manifestação do câncer de bexiga é a hematúria persistente (macro ou microscópica), que está presente em até 90% dos pacientes e, se adequadamente investigada, permite identificar a doença ainda em estágios iniciais. 

A hematúria costuma ser indolor e, como pode ser o único sinal/sintoma em casos iniciais, sempre deve ser investigada. 

A depender de fatores locais, outros sintomas podem surgir: sintomas irritativos em tumores avançados e obstrutivos em tumores que acometem a uretra. Em casos avançados, pode estar presente dor em flanco secundária a obstrução de ureter ou outros sinais de doença sistêmica [5].

Como fazer o diagnóstico?

A investigação de hematúria, após descartada doença glomerular, deve envolver a realização de citologia urinária, imagem do sistema urinário e cistoscopia. 

A cistoscopia permite e inspeção direta e biopsiar áreas suspeitas, bem como avaliar diagnósticos alternativos. 

A biópsia determina a extensão da lesão na parede vesical e, portanto, o prognóstico e tratamento (vide a seguir). 

Exames de imagem são úteis para complementar a investigação quanto à extensão local e à distância. 

Por fim, a citologia pode ser negativa mesmo em casos avançados, e um resultado normal não exclui o diagnóstico; porém, quando alterada, ela tem utilidade na monitorização de recidiva [5]

Não existem recomendações para rastreio populacional com exame comum de urina ou citologia urinária. 

Prognóstico

O tipo histológico mais comum é o carcinoma urotelial (ou carcinoma de células de transição). O prognóstico depende do estágio do tumor ao diagnóstico, com possibilidade de cura superior a 50% em estágios iniciais. 

As modalidades de tratamento incluem terapia local (radioterapia e/ou infusão de BCG ou doxirrubicina intravesical), cirurgia ou quimioterapia sistêmica, a depender da extensão da doença [5]

Além de definir o tratamento, um dos principais determinantes do prognóstico é a extensão local. Tumores sem invasão da parede muscular, que podem ser manejados de forma não cirúrgica, têm sobrevida maior que 90% em 5 anos. 

Por outro lado, pacientes com neoplasias com invasão de estruturas adjacentes ou com doença metastática têm menos de 30% de sobrevida em 5 anos.

Pênis

O carcinoma peniano é considerado uma doença rara. Em 2020, foram diagnosticados cerca de 36 mil novos casos da doença no mundo e a maioria dos casos ocorre em regiões mais probres, como África, América do Sul e sul da Ásia [4]

Entre os fatores predisponentes estão uso de tabaco, más condições de higiene, fimose, obesidade e infecções sexualmente transmissíveis (HPV, HIV) [8]

Apesar de ocorrer também em homens jovens, a incidência aumenta com a idade e a faixa etária mais frequente ao diagnóstico é por volta de 60 anos [8]

O tipo histológico mais comum é o carcinoma escamoso, que passa por uma fase com lesões precursoras - motivo pelo qual é importante sua identificação e referenciamento precoce a fim de promover diagnóstico em fases de pré-malignidade ou de doença localizada [8]

Quando suspeitar e como diagnosticar?

A principal apresentação do carcinoma peniano é como lesão ulcerada ou nodular indolor, acompanhada ou não de linfonodomegalia inguinal (30 a 60% dos casos). 

Não é incomum na apresentação a presença de infecção sobreposta. Dor, secreção purulenta e odor podem fazer parte do quadro [9]

O exame clínico é fundamental para o diagnóstico e também para avaliação prognóstica: o acometimento linfonodal é identificado clinicamente. Metástases à distância são muito incomuns [8]

Exames de imagem são reservados para pacientes em que o exame não é confiável (obesos). Naqueles com acometimento linfonodal, deve-se realizar exame de tomografia de abdomên e pelve, bem como radiografia de tórax [9]

Lesões suspeitas para malignidade devem ser biopsiadas de imediato. Na presença de infecção sobreposta, deve-se realizar tratamento da mesma antes de proceder à biópsia [8].

Tratamento e prognóstico

O tratamento frequentemente envolve ressecção peniana, mas pacientes com lesões in situ ou que não invadem corpo esponjoso podem realizar tratamento conservador. Este também pode ser considerado para lesões mais profundas, mas com piores resultados [9]

O principal determinante prognóstico é a presença de linfonodos acometidos: pacientes sem acometimento linfonodal tem 85-100% de sobrevida em 5 anos, taxa que cai para cerca de 30% caso haja acometimento linfonodal [9]

Testículos

O câncer de testículo é uma condição incomum (<1% das malignidades em homens). Apesar disso, a incidência quase dobrou nas últimas décadas [3]

A doença ganha destaque por atingir principalmente homens jovens (entre 20-40 anos), implicando em custos para tratamento e também previdenciários [5]

Não há exposições ambientais claramente associadas à doença. São considerados fatores contribuintes criptorquidia e história pessoal prévia de neoplasia de testículo. Mesmo aqueles submetidos a orquidopexia ainda estão em risco de acometimento do testículo contralateral [5].

A maioria dos tumores deriva de células germinativas (>95% dos casos), os quais são divididos em proporções quase iguais em seminomas e não-seminomas. 

Os seminomas costumam surgir na quarta década de vida e têm boa resposta à quimioterapia. Por outro lado, os tumores não-seminoma são diagnosticados em homens mais jovens e têm histologias diversas (teratoma, coriocarcinoma). Biomarcadores como beta-HCG e alfafetoproteína são marcadores comuns. 

Quando suspeitar e como diagnosticar

O principal achado diagnóstico é a presença de uma massa testicular indolor. Outros sintomas locais podem estar presentes, como edema, aumento da consistência ou desconforto. Sintomas de outros sistemas, como hemoptise, dor óssea, tosse, cefaleia sugerem doença metastática [5]

Apesar de haver discussão na literatura, não se recomenda rastreamento populacional, mas qualquer lesão identificada deve ser prontamente investigada [10]

A avaliação inicial de uma massa testicular sólida inclui ultrassom (de ambos os testículos) e dosagem de biomarcadores séricos (lactato desidrogenase, beta-HCG e alfafetoproteína).

Biomarcadores normais não afastam o diagnóstico mas, quando positivos, podem contribuir para a diferenciação histológica e para estimar o risco de metástases, bem como para acompanhamento de tratamento. 

O diagnóstico histopatológico é realizado na orquiectomia diretamente, não deve-se realizar punção ou biópsia incisional devido ao risco de disseminação tumoral. Pacientes com sinais de acometimento pré-clínico (hipertrofia, criptorquidia) têm indicação de biópsia do testículo contralateral [5]

O estadiamento envolve realização de tomografia de abdomên e pelve, bem como imagem do tórax (especialmente em tumores seminoma). Cintilografia óssea e ressonância do sistema nervoso central são reservadas para pacientes com suspeita de lesão nestes sítios [10]

Prognóstico

O prognóstico geralmente é bom e, mesmo com doença metastática, até 80% dos pacientes têm expectativa de cura [10]

Em pacientes com tumores não-seminoma, são marcadores de pior prognóstico grandes elevações de marcadores bioquímicos e metástases mediastinais. 

Tumores seminomas usualmente são de bom prognóstico. Fertilidade e armazenamento de sêmen devem ser discutidos [10]

Café pré-round

  • A maior parte dos pacientes com câncer renal é identificada de forma fortuita, através de exame de imagem mostrando uma lesão renal sólida, que havia sido solicitado por outra indicação. Apesar disso, hematúria, sintomas compressivos locais e síndromes paraneoplásicas podem fazer parte do quadro clínico. 
  • O câncer de bexiga se manifesta principalmente com hematúria (macroscópica na maioria das vezes). Sintomas irritativos ou obstrutivos podem aparecer a depender do local de acometimento. Tabagismo é o fator de risco mais comum e o prognóstico é altamente dependente do grau de extensão da doença na parede da bexiga: pacientes em que não há acometimento da parede muscular têm melhor prognóstico.
  • Neoplasia de pênis está relacionada com fimose, infecção por HPV e más condições de higiene. O diagnóstico é suspeitado pelo exame clínico, na presença de lesões elevadas ou ulceradas. O exame físico também é fundamental para determinar o prognóstico: a presença de linfonodos acometidos reduz marcadamente a sobrevida.
  • O câncer de testículo acomete principalmente pacientes jovens (até os 40 anos) e a manifestação cardinal é lesão testicular unilateral indolor. Não se deve realizar biópsia do nódulo; o diagnóstico definitivo se dá com o tratamento (orquiectomia). Mesmo com doença metastática, os pacientes tendem a ter bom prognóstico com o tratamento. 

Bibliografia

1. Zhai Z, Zheng Y, Li N, Deng Y, Zhou L, Tian T, et al. Incidence and disease burden of prostate cancer from 1990 to 2017: Results from the Global Burden of Disease Study 2017. Cancer. 2020;126: 1969–1978.

2. Zi H, He S-H, Leng X-Y, Xu X-F, Huang Q, Weng H, et al. Global, regional, and national burden of kidney, bladder, and prostate cancers and their attributable risk factors, 1990–2019. Military Medical Research. 2021. doi:10.1186/s40779-021-00354-z

3. Pishgar F, Haj-Mirzaian A, Ebrahimi H, Saeedi Moghaddam S, Mohajer B, Nowroozi MR, et al. Global, regional and national burden of testicular cancer, 1990-2016: results from the Global Burden of Disease Study 2016. BJU Int. 2019;124: 386–394.

4. Bandini M, Ahmed M, Basile G, Watkin N, Master V, Zhu Y, et al. A global approach to improving penile cancer care. Nat Rev Urol. 2022;19: 231–239.

5. Larry Jameson J, Fauci AS, Kasper DL, Hauser SL, Longo DL, Loscalzo J. Harrison’s Principles of Internal Medicine, Twentieth Edition (Vol.1 & Vol.2). McGraw-Hill Education; 2018.

6. [No title]. [citado 14 de novembro de 2022]. Recuperado: https://www.dynamed.com/condition/renal-cell-carcinoma#GUID-3484F174-B765-4B8B-A2C7-DF776899717F

7. [No title]. [citado 13 de novembro de 2022]. Recuperado: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/estimativa-2020-incidencia-de-cancer-no-brasil.pdf

8. UpToDate. [citado 14 de novembro de 2022]. Recuperado: https://www.uptodate.com/contents/carcinoma-of-the-penis-epidemiology-risk-factors-and-pathology

9. [No title]. [citado 15 de novembro de 2022]. Recuperado: https://www.dynamed.com/condition/squamous-cell-carcinoma-of-penis#GUID-C1125F02-55F2-407F-82C1-C214DAF57584

10. [No title]. [citado 15 de novembro de 2022]. Recuperado: https://www.dynamed.com/condition/testicular-cancer


DR

Dimitris Rados

Médico internista e endocrinologista. Mestre e doutor em endocrinologia pela UFRGS. Preceptor do programa de residência médica em medicina interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e pesquisador do TelessaúdeRS.