O Esôfago de Barrett (EB) é definido pela presença de um epitélio anormal na porção distal do esôfago. Usualmente, o esôfago possui epitélio escamoso, mas, quando exposto a dano continuado, ele se transforma em um epitélio colunar (gástrico fúndico, gástrico juncional ou intestinal).
O dano é causado por refluxo do estômago, no contexto de doença do refluxo gastroesofágico. Além do refluxo, a presença de esofagite, obesidade central, história familiar de EB e tabagismo aumentam a chance da sua instalação. É mais comum em homens do que em mulheres e tende a ser detectado por volta dos 55 anos de idade. Trata-se de um problema relevante por predispor ao risco de adenocarcinoma esofágico.
É considerado um dano precursor de neoplasia esofágica, que evoluiu sequencialmente de 1. EB sem displasia para 2. com displasia de baixo grau, 3. displasia de alto grau até 4. carcinoma intramucoso e, por fim, 5. adenocarcinoma invasor. Apesar desse risco, a taxa global de evolução para adenocarcinoma de esôfago é pequena, variando de 0,25% ao ano para pacientes sem displasia até 4-8% ao ano naqueles com displasia de alto grau.
Deve-se destacar que, apesar dessa evolução gradual descrita, até 60% dos pacientes que evoluem para adenocarcinoma de esôfago podem ter uma evolução acelerada. Apesar da situação de risco, existem algumas alternativas para tentar controlar e minimizar esse risco, como veremos a seguir.
Quando suspeitar e investigar do Esôfago de Barret
O EB não apresenta sintomas específicos além daqueles relacionados ao refluxo. Os sintomas que podem surgir são relacionados ao dano crônico, com pirose, regurgitação e disfagia/odinofagia. Sangramento digestivo pode ocorrer, mas é raro.
Considerando que não existem sintomas específicos de EB e a alta prevalência de sintomas digestivos altos (pirose, dispepsia e regurgitação), o diagnóstico é um desafio peculiar. Soma-se a isso o fato de que o único método diagnóstico disponível na maioria das localidades é a digestiva alta.
Assim, costuma-se indicar endoscopia digestiva alta para pacientes com múltiplos fatores de risco para Barrett. As diretrizes norte-americanas sugerem realizá-la em pacientes com sintomas de refluxo gastroesofágico crônicos associado com 3 fatores entre:
- (1) hérnia hiatal;
- (2) sexo masculino;
- (3)idade > 50 anos;
- (4) história familiar (de EB ou adenocarcinoma de esôfago);
- (5) tabagismo;
- (6) obesidade.
Apesar dessa abordagem, até 45% dos pacientes com câncer de esôfago distal não terão critérios para investigação/rastreio de EB - o que ressalta o desafio na identificação destes pacientes.
Além dos desafios para seleção de pacientes para endoscopia digestiva alta, alguns aspectos técnicos desse exame devem ser considerados na avaliação de pacientes com EB. Do ponto de vista endoscópico, deve-se localizar a linha Z (transição escamocolunar) e a junção gastroesofágica. A linha Z é o ponto em que se vê a transição do epitélio escamoso (pálido e brilhante) para o epitélio colunar (avermelhado e de aspecto de veludo); a junção gastroesofágica é uma linha imaginária em que o surgem as pregas gástricas, marcando o fim do esôfago. Quando a linha Z ocorre ≥1 cm proximal (“antes”) que a junção esôfago-gástrica, deve-se suspeitar de EB.
Quanto à realização de biópsias, recomenda-se seguir o protocolo de Seattle, que consiste em ressecar qualquer anormalidade visível deve ser ressecada para exame anátomo-patológico, bem como a realização de biópsias nos 4 quadrantes do esôfago a cada 2 cm de EB (1 cm se houver diagnóstico prévio ou suspeita de displasia de qualquer grau). Também é parte da coleta de material adequado um tratamento completo da esofagite - se necessário, pode-se adiar novo exame em 4-8 semanas até resposta adequada.
Quanto aos achados histológicos, usualmente se considera EB naqueles pacientes com metaplasia intestinal, pois o risco de evolução para adenocarcinoma está mais bem estabelecido nestes casos. Entretanto, algumas sociedades de especialistas consideram que qualquer metaplasia para epitélio colunar configura EB. Por fim, acometimentos com < 1 cm de extensão usualmente não devem ser biopsiados, lesões com até 3 cm de extensão são classificadas como EB curto e aquelas maiores de 3 cm são chamadas de EB longo.
Tratamento - supressão da acidez gástrica
Recomenda-se manter tratamento antirrefluxo com inibidores de bomba de prótons por tempo indeterminado. Trata-se de uma recomendação de consenso, baseada em estudos in vitro e observacionais que indicam que o uso de inibidores de bomba pode reduzir em até 50% a chance de progressão para EB com displasia de alto grau. Por outro lado, não existe comprovação de que esse tratamento previna a progressão para adenocarcinoma de esôfago. Também não se sabe se o uso de doses elevadas de inibidores de bomba é benéfico. Normalmente, doses mais elevadas são utilizadas para pacientes com sintomas de refluxo não controlados.
De forma análoga ao que acontece com o uso de inibidores de bomba em doses elevadas, a cirurgia de fundoplicatura não deve ser indicada com o objetivo de prevenir a progressão do EB ou promover usa recuperação. Ela acaba sendo indicada para pacientes com sintomas não controlados com farmacoterapia, seguindo as recomendações usuais para doença do refluxo gastroesofágico.
Além das intervenções antirrefluxo, anti-inflamatórios não esteroidais, aspirina em doses anti-inflamatórias e estatinas são potencialmente benéficos para o tratamento do EB. Apesar disso, considerando os efeitos adversos e poucos estudos observacionais sugerindo benefício, esses medicamentos não são recomendados para EB como única indicação. Entretanto, podem ser considerados se o paciente tiver indicações adicionais para tal.
Vigilância e manejo de pacientes com displasia
O objetivo do monitoramento e manejo de pacientes com displasia é detectar alterações precocemente e ofertar tratamentos mais precoces com menor morbidade e maior chance de cura. Apesar das diretrizes de forma geral indicarem vigilância (com algumas variações de tempos e recomendações) e haver um forte racional biológico para benefício, deve-se destacar que os benefícios não foram adequadamente comprovados. Um grande estudo randomizado multicêntrico está sendo realizado para responder essa dúvida. Até lá, uma discussão detalhada de riscos e benefícios deve ser realizada com o paciente. Se adequadamente informada, a decisão de não realizar é potencialmente adequada, em especial se não houver displasia na avaliação histológica.
O primeiro passo para definição de seguimento é revisar se a realização de biópsias foi adequada, após tratamento de eventual esofagite e seguindo o protocolo de Seattle. Além disso, achados de displasia de qualquer grau devem ser confirmado por um segundo patologista com experiência em neoplasia relacionada ao EB. As recomendações de seguimento e manejo estão resumidas na Tabela 1.
Tabela 1. Recomendações resumidas de monitoramento e manejo de EB de acordo com o grau de displasia. Adaptado de 1 e 3.
Ausência de displasia | Endoscopia de acompanhamento em 3 anos se EB longo ou 5 anos se EB curto |
Displasia de baixo grau | Considerar terapia endoscópica para erradicação. Vigilância em 6, 12 e 24 meses e após anualmente se não houver progressão é alternativa aceitável |
Displasia indeterminada | Confirmar achados com segundo patologista experiente, manter supressão gástrica adequada e repetir endoscopia com bióspsias a cada 1 cm em 2-6 meses. Manejar de acordo com novo resultado |
Displasia de alto grau | Erradicação endoscópica |
O tratamento endoscópico com ablação e ressecção tem substituído progressivamente grande parte das esofagectomias distais. Assim, tanto para displasia de baixo grau quanto para displasia de alto grau e carcinoma intramucoso (que não invade a submucosa), o tratamento com ressecção endoscópica de qualquer área de irregularidade e ablação das demais áreas deve ser sempre oferecido. A resseção com alça via endoscopia permite avaliação histológica da profundidade de acometimento e, assim, diferenciação de adenocarcinomas invasores e restritos à mucosa.
Para pacientes com displasia de baixo grau que não desejam se submeter a tal tratamento, seguimento próximo com endoscopias frequentes e seguindo o protocolo de Seattle é uma opção (Tabela 1). A esofagectomia distal é considerada atualmente para os casos de displasia de alto grau e tumor intramucoso que não conseguem ser controlados com tratamento endoscópico. Por fim, lesões que invadem a submucosa (adenocarcinomas invasivos) devem ser manejadas em conjunto com oncologista, combinando quimioterapia e tratamento cirúrgico.
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Referências:
- DynaMed. Barrett Esophagus. EBSCO Information Services. Acesso em 9 de setembro de 2023. https://www.dynamed.com/condition/barrett-esophagus
- Uptodate. Barrett's esophagus: Epidemiology, clinical manifestations, and diagnosis. Uptodate. Acesso em 9 de setembro de 2023. https://www.uptodate.com/contents/barretts-esophagus-epidemiology-clinical-manifestations-and-diagnosis
- Uptodate. Barrett's esophagus: Surveillance and management. Uptodate. Acesso em 9 de setembro de 2023. https://www.uptodate.com/contents/barretts-esophagus-surveillance-and-management