Contextualização: por que uma classificação radiológica é necessária?
Nódulos de tireoide são bastante comuns, chegando a uma prevalência de 60% conforme estudos de investigação populacional. Podem ser identificados nas consultas médicas pela presença de manifestações clínicas como abaulamento cervical (detectado pelo paciente ou pelo médico), desconforto local, rouquidão e eventualmente sintomas compressivos.
Apesar disso, é comum que sejam localizados de forma fortuita - por exames de imagem realizados por outra indicação.
Trata-se de uma situação clínica que gera bastante apreensão para os pacientes, uma vez que o principal objetivo de diagnóstico e manejo nesta situação é descartar o risco de malignidade — estimado em 5% dos nódulos tireoidianos.
Para isso, o melhor recurso diagnóstico é a punção aspirativa por agulha fina (PAAF). A partir dos seus resultados, é possível descartar o diagnóstico de câncer de tireoide e definir os próximos passos de manejo, que podem ser observação clínica, cirurgia ou testagem adicional.
Por outro lado, apesar do risco de malignidade, deve-se lembrar que a maioria dos nódulos será benigna (95%). Portanto, a realização de PAAF em uma grande parcela dos pacientes é desnecessária.
Além disso, sabe-se que uma fração significativa dos pacientes com neoplasia de tireoide terão evolução indolente. Assim, evitar a realização de PAAF é uma forma de evitar os riscos e desconfortos de investigações excessivas. Por essas razões, o rastreamento populacional de câncer de tireoide não é recomendado.
Em suma, a classificação e estratificação de risco de TI-RADS (Thyroid Imaging, Reporting and Data System) da ACR (American College of Radiology) é uma proposta para equilibrar dois objetivos de certa forma antagônicos: evitar diagnósticos e investigações excessivas e garantir a investigação de nódulos com maior chance de malignidade.
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A classificação TI-RADS
Trata-se de uma classificação de risco criada através de consenso de especialistas e com base nas características que predizem malignidade nos nódulos de tireoide.
Ela segue o racional e os moldes da classificação de lesões mamárias (BI-RADS - Breast Imaging Reporting Data System). A partir dessa classificação de risco, são feitas recomendações de investigação com PAAF e de acompanhamento dos nódulos.
De acordo com algumas características, o nódulo de tireoide recebe pontos que, quando somados, levam à classificação em cinco categorias de risco (Figura 1). As características avaliadas são:
- Composição: nódulos císticos e espongiformes têm baixa chance de malignidade, enquanto nódulos primariamente sólidos recebem mais pontos;
- Ecogenicidade: nódulos anecoicos (com líquido) são considerados de baixo risco, enquanto nódulos sólidos mas hipoecoicos são de maior risco;
- Forma: nódulos mais altos que largos são considerados mais suspeitos;
- Margens: margens irregulares ou nódulos com extensão extra-tireoidiana são suspeitos;
- Focos ecogênicos dentro do nódulo: calcificações e focos ecogênicos são características de maior risco de malignidade.
Figura 1. Classificação e recomendações de abordagem de TI-RADS da ACR. Adaptado de (1).

Além dessas características, a proposta dá orientações de como interpretar e reportar os achados ultrassonográficos e faz recomendações sobre situações-problema. Por exemplo, deve-se deixar claro no laudo quando nódulos têm localizações desfavoráveis (próximos ao nervo recorrente ou à traqueia).
Também existem recomendações de como aferir o maior diâmetro e o volume dos nódulos e de como localizá-los na tireoide para que seja possível realizar o seguimento clínico-radiológico. Por fim, a presença de linfonodos suspeitos na região cervical também deve ser descrita no laudo radiológico.
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Recomendações de investigação e acompanhamento
Como discutido, o grande objetivo da classificação é uniformizar a descrição dos nódulos e fornecer recomendações de investigação que equilibrem o risco de investigações excessivas de nódulos benignos e de neoplasias indolentes (que não progredirão e são comuns na tireoide) com o risco de malignidade e complicações.
Assim, com base nos pontos recebidos e no tamanho do nódulo, são fornecidas sugestões de acompanhamento e PAAF (Figura 1). Desse modo, o limiar de tamanho para punção vai se reduzindo a medida que o nódulo tem mais características suspeitas.
Ainda assim, como todo conjunto de recomendações, estas não devem ser encaradas como regras duras, devendo ser adaptadas para outros fatores de risco, expectativa de vida e preferências.
No seguimento, recomenda-se avaliar o crescimento dos nódulos. O acompanhamento deve ser mais frequente para nódulos com classificações mais altas e menos frequente para nódulos com mais aspectos de benignidade (Figura 1).
Quanto a punções em glândulas com múltiplos nódulos, recomenda-se puncionar no máximo 2 nódulos, escolhendo aqueles com indicação de PAAF pelo critério de tamanho e que tenham mais pontos na avaliação de TI-RADS.
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O que há além da classificação TI-RADS?
A classificação de TI-RADS da ACR não é a única proposta de classificação ultrassonográfica para indicação de punção. Existem outras abordagens propostas por outras associações de especialistas - algumas dessas também chamadas de TI-RADS (da Europa, Coreia e China).
Também existem discussões sobre o tamanho do nódulo a ser puncionado, com algumas diretrizes sugerindo a punção de nódulos menores. Apesar dessas divergências, a classificação de TI-RADS da ACR é a com menor taxa de falsos negativos e, portanto, a com menor taxa de “perda de neoplasias”.
Independentemente da classificação utilizada, é consenso que se deve utilizar uma combinação de classificação ultrassonográfica e PAAF para otimizar a investigação de nódulos de tireoide.
Na investigação de um nódulo de tireoide, o primeiro passo é avaliar se o nódulo é funcionante, ou seja, se ele produz de forma autônoma hormônios tireoidianos. Isso é realizado pela dosagem de tireotrofina (TSH). Se este exame estiver abaixo do intervalo normal, deve-se realizar a investigação do nódulo quanto à funcionalidade - usualmente com cintilografia de tireoide. Nódulos hiperfuncionantes não devem ser puncionados.
Por fim, é tendência atual na investigação e manejo do câncer de tireoide adotar condutas mais conservadoras. Isso significa que, mesmo em pacientes com suspeita de neoplasia, pode-se optar por observação clínica (watchful waiting) em casos selecionados e em centros com experiência.
Ainda é incerto quais pacientes são candidatos e como se deve realizar essa abordagem, mas é provável que ela esteja contemplada nas próximas diretrizes de investigação de nódulo e manejo de câncer de tireoide.
Referências
1) ACR Thyroid Imaging, Reporting and Data System (TI-RADS): White Paper of the ACR TI-RADS Committee. J Am Coll Radiol 2017; 14:587-595.
2) DynaMed. Thyroid Nodule. EBSCO Information Services. Accesso em 02/07/2023. Disponível em <https://www.dynamed.com/condition/thyroid-nodule>.
3) Overview of the clinical utility of ultrasonography in thyroid disease. De Uptodate. Acesso em 02/07/2023. Disponível em <https://www.uptodate.com/contents/overview-of-the-clinical-utility-of-ultrasonography-in-thyroid-disease>.
4) Diagnostic approach to and treatment of thyroid nodules. De Uptodate. Acesso em 02/07/2023. Disponível em <https://www.uptodate.com/contents/diagnostic-approach-to-and-treatment-of-thyroid-nodules>.