20 de Novembro de 2023 | 11 min de leitura

Psicologia 4.0: a tecnologia em prol da saúde mental

A tecnologia tem se tornado cada vez mais presente em nossas vidas, e a sua inserção no nosso dia a dia tem sido intensa, transformando exponencialmente a forma como vivemos e interagimos com o mundo ao nosso redor. 

Hoje, é muito comum vermos pessoas conectadas o tempo todo e essa conexão tem mudado a forma como as pessoas se relacionam, se divertem e trabalham.

Na área da saúde, a tecnologia tem sido uma grande aliada, pois diversas inovações tecnológicas foram criadas para auxiliar no diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças.

Nesse contexto, a tecnologia tem desempenhado um papel cada vez mais importante na evolução da psicologia, contribuindo significativamente com o principal propósito da profissão: melhorar a saúde mental das pessoas.

Psicologia 4.0 e a possibilidade da prestação de serviços psicológicos online

A psicologia 4.0 pode ser explicada, de forma bem objetiva, como a implementação de tecnologias inovadoras no cotidiano da profissão — seja na gestão dos processos que envolvem os atendimentos ou no atendimento psicoterapêutico propriamente dito

Para facilitar as discussões, neste artigo, iremos abordar especificamente o uso da tecnologia da informação e comunicação para o atendimento psicológico online.

Como marco histórico, a pandemia do coronavírus (SARS-CoV-2), entre os anos de 2020 e 2022, será para sempre lembrada como um acontecimento que trouxe impactos imensuráveis para o cenário mundial.

Nesse período, a psicologia, não sendo diferente das demais áreas do conhecimento, precisou revisitar as suas estratégias de atendimento, buscando facilitar o acesso aos serviços oferecidos. 

Isso se deu por dois motivos principais: 

  • pela impossibilidade da interação social e consequente isolamento trazido pela pandemia;
  • e pelo aumento expressivo de pessoas necessitadas de algum tipo de suporte psicológico em decorrência do sofrimento vivenciado na pandemia. 

Dessa forma, os serviços de psicologia online passaram a ser uma possibilidade e, hoje, fazem parte dos cenários de atuação dos psicólogos.

A prestação de serviços psicológicos online, fazendo uso da tecnologia da informação e comunicação (TIC), é regulamentada e respaldada pela Resolução nº 011/2018, do Conselho Federal de Psicologia. 

Essa resolulao norteia o profissional sobre as condutas possíveis de serem adotadas na modalidade online, buscando garantir que os serviços prestados sejam seguros e, principalmente, confidenciais.

Falando sobre os benefícios, o atendimento psicológico online oferece uma série de fatores facilitadores, que o tornam uma opção atraente para todos os envolvidos: profissionais, serviços de saúde, pacientes e familiares. 

A acessibilidade, sem dúvidas, é uma das possibilidades mais atrativas, uma vez que o online elimina muitas barreiras geográficas e de mobilidade, possibilitando atendimento para pacientes/famílias que manifestem alguma dificuldade de aproximação à assistência psicológica presencial.  

Indivíduos que residem em regiões distantes de grandes centros, população rural, indivíduos marginalizados, população penitenciária, pessoas com deficiências físicas, terceira idade, integrantes de uma mesma família que moram em localidades diferentes e necessitam de terapia familiar, entre outros, são alguns dos grupos que se beneficiam.

Para que possamos evoluir em nossas reflexões acerca da prestação de serviços psicológicos online, é preciso, neste momento, falarmos sobre a telessaúde e a telemedicina como componentes estratégicos da saúde digital.

Telessaúde e Telemedicina: possibilidades para a evolução dos atendimentos online na saúde e na psicologia

Inicialmente, é relevante que façamos um esclarecimento de significados. De acordo com o Ministério da Saúde, a telessaúde é a expansão e melhoria dos serviços de saúde digitais com a ajuda de tecnologias de informação e comunicação. Já a telemedicina, está inclusa na telessaúde e refere-se ao atendimento de saúde à distância, através de tecnologia.

Daremos ênfase, a partir de agora, para a telemedicina, visto que é neste contexto que se insere a prestação de serviços psicológicos online.

A prestação de serviços de saúde possui características únicas, de forma que sua digitalização envolve desafios importantes, principalmente aqueles relacionados à estruturação e manutenção dos vínculos de relacionamentos entre os envolvidos no sistema de saúde.

Os serviços digitais em saúde compreendem uma vasta gama de opções, o que inclui aplicativos de saúde (e-health) com as mais diversas finalidades, telediagnóstico, teleatendimento, telemonitoramento, prontuário e prescrição eletrônicos, dispositivos wearable (dispositivos eletrônicos que podem ser usados pelos pacientes para monitorar sua saúde), e outros mais.

Fortemente influenciada pelos adventos da pandemia da COVID-19, a legislação precisou olhar para os serviços digitais em saúde como uma nova realidade e, então, adotar condutas que viessem a trazer segurança jurídica para o seu uso. Desta forma, em 15 de abril de 2020 foi publicada a Lei n. 13.989, que dispõe sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2).

Segundo o Conselho Federal de Psicologia (CFP), é dever do psicólogo conhecer e cumprir o Código de Ética Profissional na sua atuação de prestação de serviços psicológicos online por meio das TICs. Outro aspecto levantado pelo CFP é a prestação de serviços psicológicos online estarem condicionada à realização de cadastro prévio na plataforma e-Psi https://e-psi.cfp.org.br/, junto ao respectivo Conselho Regional de Psicologia de cada estado do Brasil.

A seguir, traremos alguns pontos do Código de Ética Profissional do Psicólogo, importantes de serem destacados:

§ 1º O psicólogo deverá manter o próprio cadastro atualizado.

§ 2º O psicólogo poderá prestar serviços psicológicos por meios de Tecnologia da Informação e da Comunicação até emissão de parecer do respectivo CRP.

I - Da decisão de indeferimento do cadastro pelo CRP cabe recurso ao CFP, no prazo de 30 dias;

II - O recurso para o CFP terá efeito suspensivo, de modo que o psicólogo poderá prestar o serviço até decisão final do CFP.

O CFP (2020) menciona no art. 2º da Resolução CFP nº 011/2018, a permissão para os seguintes serviços psicológicos serem prestados por TICs:

I- Consultas ou atendimentos psicológicos de diferentes tipos de maneira sincrônica ou assincrônica;

II- Processo de seleção de pessoal;

III- Aplicação de testes regulamentados para aplicação on-line;

IV- Supervisão técnica do profissional.

Sobre o atendimento online de crianças e adolescentes, o CFP (2020) respalda a sua realização, entretanto, é preciso existir a prévia autorização dos responsáveis legais, de acordo com o art. 8º do Código de Ética Profissional do Psicólogo. Cabe destacar que exclui-se essa possibilidade no caso de crianças/adolescentes vítimas de violência de qualquer origem.

Para que o psicólogo esteja habilitado para a realização de atendimentos online é preciso que, inicialmente, faça um cadastro prévio na plataforma e-Psi. Após o cadastro, algumas condições são avaliadas, tais como:

1) não estar com sua inscrição cancelada, suspensa ou cassada;

2) possuir cadastro atualizado;

3) não estar com o pagamento das anuidades interrompido;

4) apresentar proposta de prestação de serviços por TICs (fundamentar os serviços oferecidos e com a tecnologia a ser utilizada;

5) preencher/concordar com o termo de orientação de declaração de prestação de serviços psicológicos por meio de TICs.

Além do cadastro na plataforma e-Psi, o psicólogo deve informar quais tipos de serviços psicológicos visa ofertar e fundamentá-lo. O cadastro possui validade de um ano, devendo o profissional estar atento ao prazo disponível para renovação, caso seja de seu interesse continuar atendendo on-line.

Além disso, também se faz necessário que o psicólogo traga com detalhes quais estratégias irá adotar a fim de manter o sigilo das informações para cada recurso tecnológico que estiver disposto a utilizar. É importante também que o profissional compreenda os recursos de segurança cibernética que protege as trocas de informações durante o atendimento on-line, a fim de evitar quaisquer problemas.

Um aspecto extremamente importante de ser planejado é o zelo da privacidade dos dados pessoais dos pacientes atendidos, os quais são considerados dados sensíveis por estarem relacionados à saúde.

Ao referir-se a tal assunto, é preciso mencionar a existência no Brasil da Lei nº 13.709 - chamada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Essa lei eleva o nível de privacidade e proteção de dados na garantia de um ambiente operacional seguro e adequado, tratando não somente da adequação de procedimentos, mas também da transformação cultural relacionada a manipulação de dados. Logo adiante, faremos uma abordagem específica sobre a proteção de dados sensíveis.

Outro ponto que merece atenção do profissional psicólogo ao iniciar o planejamento dos seus atendimentos online são as temáticas sensíveis e de difícil abordagem, as quais podem exigir um manejo diferenciado na modalidade remota. Torna-se então necessário ao profissional desenvolver estratégias adaptadas às possibilidades do atendimento virtual, para que as necessidades dos pacientes sejam atendidas.

Para a compreensão dos instrumentos tecnológicos possíveis de serem utilizados na realização dos atendimentos online, o CFP destaca a Resolução CFP nº 011/2018 como norteadora. A resolução aborda quais meios tecnológicos de informação e comunicação com acesso à internet pode ser utilizados nos serviços de atendimento psicológico.

Nas opções de instrumentos tecnológicos, temos: televisão, aparelhos telefônicos, aparelhos conjugados ou híbridos, websites, aplicativos, plataformas digitais ou qualquer outro modo de interação que atenda aos objetivos dos serviços propostos.

No que diz respeito à limitação geográfica da atuação online dos profissionais da psicologia, o CFP orienta que a classe profissional está habilitada a prestar serviços por meio das TICs somente em território nacional. Entretanto, na condição do paciente ser brasileiro e morar no exterior, existe a possibilidade do atendimento ocorrer, porém mediante acordo bilateral, com assinatura de contrato e regulado pela legislação brasileira.

Algumas práticas rotineiras da psicologia adotadas nos atendimentos presenciais precisam receber atenção no formato online, como a aplicação dos testes psicológicos, por exemplo. 

O CFP afirma que é possível realizar esses testes no formato online, entretanto é preciso que o teste esteja regularizado para este objetivo específico. É dever do psicólogo certificar-se de que o instrumento possui parecer favorável no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) e versão adaptada para a aplicação online.

A partir de todo o contexto apresentado, e considerando que o atendimento psicológico nesse formato ainda é novo para a psicologia brasileira, recomenda-se o uso de contrato para evitar possíveis problemas que podem afetar o objetivo do atendimento a ser oferecido.

Agora, faremos uma abordagem mais específica sobre a proteção de dados pessoais sensíveis, para que você possa atuar na modalidade online com mais segurança e respaldo.

Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e a proteção de dados pessoais sensíveis

Fortemente influenciada pela legislação europeia de proteção de dados, conhecida como General Data Protection Regulation (GDPR), a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018) entrou em vigor em 2028. Essa legislação passou a regular a captura, tratamento e armazenamento de dados pessoais, impactando tanto profissionais autônomos quanto empresas.

Dentre os principais aspectos abordados na referida lei, denota-se maior zelo à privacidade dos dados pessoais do indivíduo, especialmente aqueles dados pessoais considerados sensíveis, relacionados à saúde. 

Nesse sentido, a LGPD também impactou os profissionais da psicologia, já que os dados de saúde mental do paciente são constantemente captados e tratados e, assim, devem, da mesma forma, obedecer as obrigações de transparência e privacidade determinadas pela regulação.

A LGPD prescreve um conceito aberto a respeito de dados pessoais, considerando toda e qualquer informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável, ou seja, informações como nome, endereço, telefone, profissão, dentre outros, são capazes de identificar a pessoa natural ou torná-la identificável, automaticamente.

Sobre os dados pessoais considerados sensíveis, a LGPD traz aqueles sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.

Nesse aspecto, torna-se prudente frisar a importância da adoção de metodologias seguras para acompanhar a dinâmica dos atendimentos realizados pelos psicólogos, diante da quantidade expressiva de dados pessoais sensíveis registrados em cada sessão de atendimento.

A LGPD entende como tratamento de dados toda operação realizada com dados pessoais. Ou seja, tudo que envolve a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração de dados.

Para as circunstâncias específicas dos atendimentos online, recomenda-se que o profissional escolha instrumentos tecnológicos que permitam a criptografia de ponta a ponta, assegurando desta maneira que as mensagens, fotos, imagens, vídeos, mensagens de voz, atualizações de status, documentos e chamadas sejam devidamente preservadas.

A partir do exposto, podemos compreender que, ao mesmo tempo que a LGPD trouxe a necessidade de readaptação dos psicólogos e de todo o sistema de saúde pelas novas exigências no sigilo e armazenamento dos dados pessoais sensíveis dos pacientes, também trouxe mais segurança aos profissionais e serviços de saúde, os quais hoje são orientados e respaldados em suas condutas.

Conclusão

O mundo está em constante transformação, e vivenciamos um crescimento exponencial do uso da tecnologia no cotidiano das pessoas, desde atividades mais complexas até as mais corriqueiras. 

Alguns já chamam essa realidade de “o novo normal”. Com isso, o que antes era uma tendência, hoje é uma realidade: os relacionamentos híbridos, ou seja, que ocorrem tanto no físico como no digital. E isso fez com que as relações entre profissionais e pacientes na área da saúde fossem impactadas e transformadas, conferindo-se destaque para a digitalização dos serviços.

O mercado de trabalho e os cenários de atuação também mudaram e seguem mudando. Como exemplo, temos a condição do mercado de trabalho não ser mais exclusivamente associado a um ambiente físico, mas sim global, com as jornadas de trabalho tornando-se cada vez mais híbridas/remotas.

A partir das novas tendências tecnológicas, também tem-se observado uma maior integração econômica e cultural entre as pessoas, exigindo, com isso, um preparo diferenciado dos profissionais para que possam contemplar com os seus serviços os mais variados tipos de públicos. 

Nesse sentido, o profissional de psicologia deve estar atento para oferecer serviços que venham ao encontro com essas demandas e novo cenário.

REFERÊNCIAS

CFP. Conselho Federal de Psicologia - Código de Ética Profissional do Psicólogo XII Plenário do Conselho Federal de Psicologia. Brasília, agosto, 2005. Disponível em: http://www.crpsc.org.br/ckfinder/userfiles/files/codigo_etica_novo2005.pdf Acesso em 13/09/2023.

CFP. Conselho Federal de Psicologia. RESOLUÇÃO Nº 11, DE 11 DE MAIO DE 2018 - Regulamenta a prestação de serviços psicológicos realizados por meios de tecnologias da informação e da comunicação e revoga a Resolução CFP N.º 11/2012. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/05/RESOLU%C3%87%C3%83O-N%C2%BA-11-DE-11-DE-MAIO-DE-2018.pdf Acesso em: 17/09/2023.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual de Telessaúde para a Atenção Básica / Atenção Primária à Saúde : Protocolo de Solicitação de Teleconsultorias / Ministério da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. – Brasília : Ministério da Saúde, 2013.

BRASIL. Diário Oficial da União. LEI NO 13.709, DE 14 DE AGOSTO DE 2018 - Dispõe sobre a proteção de dados pessoais e altera a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/36849373/do1-2018-08-15-lei-no-13-709-de-14-de-agosto-de-2018-36849337 Acesso em: 16/09/2023.


Bruna Nadaletti

Possui graduação em Enfermagem pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Campus de Erechim (2012), especialização em Terapia Intensiva pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Campus de Erechim (2013), MBA em Gestão de Negócios, Inovação e Empreendedorismo na Escola Superior de Planejamento e Gestão (2022) e mestrado em Educação pela Universidade de Passo Fundo (2016). Tem formação em Personal Branding, pela University of Virginia, e em Skills e Gestão de Carreira, pela Harvard Business School. Atualmente, é aluna especial do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Também é professora do curso de Enfermagem da ATITUS Educação, professora conteudista e conteudista permanente da Artmed. Além disso, atua como estrategista de carreira e marca pessoal. Na pós-graduação, pesquisa nas áreas de gestão, inovação, empreendedorismo e personal branding na saúde.