31 de Julho de 2023 | 8 min de leitura

Cuidados paliativos: atenção psicológica aos familiares e cuidadores

Como citar este artigo: Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (2023, 31 jul). Cuidados paliativos: atenção psicológica aos familiares e cuidadores. Blog Artmed.

O familiar cuidador de pessoas em cuidados paliativos

Os cuidados paliativos são definidos como a prevenção e o alívio do sofrimento de pacientes adultos e pediátricos e suas famílias que enfrentam problemas associados a uma com uma doença que ameaça a vida (OMS, 2002). De acordo com a OMS, esses “problemas incluem sofrimento físico, psicológico, social e espiritual dos pacientes e psicológico, social e espiritual dos membros da família” (OMS, 2002; Cengiza, Turanb, Olmazc, & Erced, 2021). Nesse sentido, de acordo com essa compreensão, os cuidados paliativos têm como objetivo central promover e preservar a qualidade de vida dos pacientes e, simultaneamente, oferecer apoio aos cuidadores familiares.

Qualquer pessoa que forneça alguma forma de cuidado físico ou emocional para o paciente, como pais, filhos adultos ou cônjuges, pode ser considerado um cuidador familiar e, portanto, pode ser considerada uma extensão da equipe de saúde (Zavagli et al., 2019). Esses familiares se veem em uma nova condição, em que precisam realizar tarefas novas e desconhecida, como dar remédios, ajudar nas refeições, na higiene pessoal e realizar procedimentos médicos e de enfermagem, e podendo, dessa forma, experimentar um gama de emoções variadas, incluindo ansiedade, raiva e tristeza (Zavagli et al., 2019).

Essas tarefas de cuidado impactam fisicamente, emocionalmente e socialmente os cuidadores. Por exemplo, eles frequentemente sofrem de privação de sono e fadiga devido aos cuidados prestados. Emocionalmente, lidam com o medo constante de perder um ente querido, o que pode levar à ansiedade e depressão. Além disso, os cuidadores familiares enfrentam um maior estresse físico e psicológico, afetando suas relações sociais, familiares e conjugais (Cengiza et al., 2021). Além de atender às necessidades de cuidados de seus entes queridos, eles enfrentam diversos desafios relacionados à sua própria saúde, família e trabalho. A falta de treinamento adequado e a falta de atenção sistemática às suas necessidades impacta diretamente na qualidade de vida desses cuidadores (Zavagli et al., 2019). Estudos indicam que as necessidades não atendidas dos cuidadores são multidimensionais e afetam a saúde e o bem-estar dos cuidadores, bem como a qualidade dos cuidados que prestam aos seus familiares (Mangan et al., 2003; Sharpe et al., 2005).

Suporte ao familiar cuidador em cuidados paliativos

Para lidar com os impactos físicos, emocionais e sociais enfrentados pelos cuidadores familiares, é essencial que sejam oferecidos recursos e suporte adequados. A literatura indica que o fornecimento de informações suficientes aos cuidadores e atenção ao bem-estar e às emoções dos cuidadores é fundamental (Zavagli et al., 2019). A avaliação das necessidades dos cuidadores é portanto uma etapa essencial para determinar os serviços de apoio apropriados, oferecer cuidados de alta qualidade, alcançar a satisfação do cuidador e diminuir a sobrecarga do cuidador (Zavagli et al., 2019).

Frequentemente, os cuidadores familiares em cuidados paliativos também podem se sentir mal equipados em seu papel de cuidador, e a superestimação da autoeficácia dos cuidadores pelo paciente pode resultar em ansiedade e insatisfação entre os familiares cuidadores. Portanto, o treinamento e orientação sobre as tarefas de cuidado torna-se fundamental para pessoas em cuidados paliativos com familiares cuidadores (McCauley, McQuillan, Ryan, & Foley, 2021).

Apesar de o fornecimento de apoio entre o paciente e o cuidador familiar nos cuidados paliativos ser geralmente considerado unidirecional - do cuidador familiar para o paciente, alguns estudos têm apontado dimensões recíprocas de apoio entre pacientes e cuidadores familiares em cuidados paliativos. Por exemplo, permanecer positivo uns para os outros pode ajudar tanto os pacientes quanto os cuidadores familiares a se adaptarem à doença avançada e, assim como permanecer firme coletivamente diante da doença é uma dimensão do cuidado mútuo (McCauley, et al., 2021).

O apoio mútuo entre pacientes e familiares cuidadores em cuidados paliativos pode ser sustentado, dessa forma, pelo reconhecimento mútuo das necessidades de cada um e pelo fato de permanecerem positivos um para o outro. O apoio da família em geral pode permitir um maior envolvimento emocional entre os pacientes e os familiares cuidadores nos cuidados paliativos. Um outro ponto importante dessa dimensão recíproca do cuidado é que o fato de o paciente e o cuidador familiar não revelarem sua angústia um ao outro pode resultar em conflito entre o paciente e o cuidador familiar e limitar o apoio mútuo entre o paciente e o cuidador familiar ((McCauley, 2021).

A estrutura CARES foi elaborada para atender às necessidades dos familiares cuidadores familiares por pesquisadores em cuidados paliativos e fundamentada nos princípios fundamentais dos cuidados paliativos, que incluem o apoio aos membros da família durante a durante a doença do paciente e em seu próprio luto (Alam, Hannon, & Zimmermann, 2020). A tabela abaixo resume os componentes da estrutura CARES, que envolve: (a) considerar os cuidadores como parte da unidade de atendimento; (b) avaliar a situação do cuidador, percepções e necessidades; (c) referir/encaminhar para serviços e recursos adequados recursos apropriados; (d) educar sobre os aspectos práticos dos cuidados e (e) fornecer suporte aos cuidadores durante luto.

Estrutura CARES para avaliação e atendimento das necessidades dos familiares cuidadores familiares

Considerar os cuidadores como parte da unidade de atendimento

Considerar os cuidadores como parte da unidade de atendimento, bem como parte da equipe de atendimento

Reconhecer a importância da função de cuidador

Respeitar os desejos do paciente com relação à natureza e ao grau de participação do cuidador na tomada de decisões

Avaliar a situação do cuidador, percepções e necessidades

Documentar o relacionamento do cuidador com o paciente, sua situação de moradia, emprego e se o cuidado está sendo prestado a outros dependentes (por exemplo, filhos)

Avaliar a capacidade e a disposição do cuidador para prestar cuidados

Informe-se sobre a saúde física e mental do cuidador

Avaliar o impacto da prestação de cuidados, incluindo o isolamento social e questões financeiras

Pergunte sobre a percepção do cuidador sobre o estado do paciente e sua capacidade de autocuidado

Referir/Encaminhar para serviços e recursos adequados

recursos apropriados

Encaminhar o cuidador aos recursos disponíveis localmente:

● Equipes de cuidados paliativos, hospitais

● Serviços de assistência social/Estratégia de Saúde da Família (ESF/SUS)

● Atendimento psicológico

● Cuidados com espiritualidade

● Recursos comunitários, grupos de apoio, recursos on-line

Educar sobre os aspectos práticos dos cuidados

Assegurar que o cuidador e o paciente tenham uma compreensão conjunta da doença do paciente, seu tratamento, sua evolução típica e os sinais de avanço

Verificar a compreensão do controle da dor (por exemplo, dosagem, efeitos adversos, potencial de dependência)

Assegurar a educação para habilidades práticas (por exemplo, troca de curativos, injeções, levantamento/transferência)

Destacar a importância da saúde pessoal e do autocuidado e a disponibilidade de benefícios sociais e serviços para os cuidadores

Fornecer Suporte aos cuidadores durante luto

Esclarecer quando é importante ligar e quem deve ser chamado

Realizar encaminhamentos para serviços locais de apoio ao luto

Realizar algum tipo de contato/telefônico/mensagem/cartão para o cuidador após o luto

Fonte: Alam, Hannon, & Zimmermann, 2020.

Autocuidado e bem-estar do familiar cuidador

Além disso, é fundamental promover a resiliência dos cuidadores familiares, incentivando a busca de autocuidado e a busca de apoio emocional. O autocuidado que promove a saúde compreende as ações tomadas pelos indivíduos para melhorar sua saúde, manter o bom funcionamento e aumentar o bem-estar, em resposta a uma doença ou simplesmente para promover a saúde (Acton, 2002). Essas ações permitem que os serviços de saúde apoiem as pessoas a identificar e desenvolver seus próprios pontos fortes e habilidades para atender às suas necessidades, de acordo com suas próprias capacidades e preferências (Oliveira, Sousa, & Orrell, 2019).

Os grupos de apoio podem ser uma maneira de permitir que os cuidadores compartilhem suas experiências, troquem conhecimentos, expressem suas emoções e encontrem suporte emocional. Ao compartilhar suas preocupações e angústias, os cuidadores podem encontrar conforto, compreensão e empatia entre os participantes (Oliveira, Sousa, & Orrell, 2019). Essa conexão emocional pode reduzir o sentimento de isolamento e proporcionar um senso de comunidade, fortalecendo a resiliência dos cuidadores

Aqui estão algumas possibilidades de praticar o autocuidado e promover qualidade de vida para familiares cuidadores de pessoas em cuidados paliativos:

● Priorizar o autocuidado físico: exercícios, alimentação saudável, descanso adequado.

● Buscar apoio emocional: grupos de apoio, psicoterapia, aconselhamento.

● Estabelecer limites e pedir ajuda quando necessário.

● Encontrar tempo para atividades prazerosas e relaxantes.

● Buscar informações e conhecimento sobre cuidados paliativos.

● Estabelecer uma rede de apoio com familiares, amigos e profissionais de saúde.

● Praticar o autocuidado emocional: expressar emoções, escrever em um diário, encontrar momentos de tranquilidade, meditar.

Considerações finais

Os cuidados paliativos têm como objetivo central promover a qualidade de vida dos pacientes e oferecer apoio aos cuidadores familiares. Nesse sentido, qualquer pessoa que forneça cuidado físico ou emocional, como pais, filhos adultos ou cônjuges, é considerada um cuidador familiar e parte da equipe de saúde. Para promover a qualidade de vida e o bem-estar dos familiares cuidadores de pessoas em cuidados paliativos, é essencial oferecer recursos e suporte adequados. Para tanto, a avaliação das necessidades dos cuidadores e o fornecimento de informações são passos fundamentais para atender às suas demandas. Além disso, é importante reconhecer a importância do autocuidado e incentivar os cuidadores a buscar apoio emocional e suporte social. Priorizar o cuidado físico, estabelecer limites, pedir ajuda quando necessário e encontrar tempo para atividades relaxantes são ações que podem contribuir para o bem-estar dos familiares cuidadores.

Referências:

Acton, G. J. (2002). Health-promoting self-care in family caregivers. Western Journal of Nursing Research, 24(1), 73-86.

Alam, S., Hannon, B., & Zimmermann, C. (2020). Palliative care for family caregivers. Journal of Clinical Oncology, 38(9), 926-936. : DOI https://doi. org/10.1200/JCO.19. 00018

Cengiz, Z., Turan, M., Olmaz, D., & Erce, Ç. (2021). Care Burden and Quality of Life in Family Caregivers of Palliative Care Patients. Journal of Social Work in End-of-Life & Palliative Care, 17:1, 50-63, DOI: 10.1080/15524256.2021.1888844

Mangan,, P., Taylor, K., Yabroff, K., Fleming, D., & Ingham, J. (2003). Caregiving near the end of life: Unmet needs and potential solutions. Palliative & Supportive Care, 1(3), 247-259. DOI:10.1017/S1478951503030414

McCauley, R., McQuillan, R., Ryan, K., & Foley, G. (2021). Mutual support between patients and family caregivers in palliative care: a systematic review and narrative synthesis. Palliative Medicine, 35(5), 875-885.

Oliveira, D., Sousa, L., & Orrell, M. (2019). Improving health-promoting self-care in family carers of people with dementia: a review of interventions. Clinical interventions in aging, 515-523.

Sharpe, L., Butow, P., Smith, C., McConnell, D., & Clarke, S. (2005). The relationship between available support, unmet needs and caregiver burden in patients with advanced cancer and their carers. Psycho‐Oncology: Journal of the Psychological, Social and Behavioral Dimensions of Cancer, 14(2), 102-114.

World Health Organization. (2002). WHO definition of palliative care. Disponível em: http://www.who.int/cancer/palliative/definition/en/index. Acesso em: 30/05/2023

Zavagli, V., Raccichini, M., Ercolani, G., Franchini, L., Varani, S., & Pannuti, R. (2019). Care for carers: An investigation on family caregivers’ needs, tasks, and experiences. Translational Medicine@ UniSa, 19, 54.


BL

Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo

Psicóloga e Mestra em Psicologia/Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e com Formação em Terapia do Esquema. Professora de graduação em Psicologia e em cursos de Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental e Terapia do Esquema. Pesquisadora colaboradora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).